MSF lança relatório com denúncias de violência e obstrução da ajuda humanitária no Mediterrâneo

‘Manobras Mortais: Obstrução e Violência no Mediterrâneo Central’ traz dados e depoimentos de sobreviventes resgatados pelo navio de MSF entre 2023 e 2024

@Stefan Pejovic/MSF

A remoção orquestrada de navios de resgate e salvamento de migrantes do Mediterrâneo Central, como o Geo Barents, elimina a última chance de sobrevivência para pessoas em situação de perigo, que fogem da violência terrível na Líbia. Essa é a conclusão do relatório Manobras Mortais: Obstrução e Violência no Mediterrâneo Central divulgado hoje (12/06) por Médicos Sem Fronteiras (MSF). O documento reúne informações operacionais e médicas, além de depoimentos de sobreviventes coletados pelas equipes de MSF a bordo do navio Geo Barents durante os anos de 2023 e 2024.

O relatório detalha como, após mais de dois anos operando sob leis e políticas italianas restritivas, particularmente o Decreto Piantedosi e a prática de designações para portos distantes, a capacidade dos navios de fornecer assistência vital foi severamente limitada, levando MSF à decisão de cessar as operações com o Geo Barents em dezembro de 2024.

Devido às restrições, o número de pessoas que o Geo Barents conseguiu resgatar caiu drasticamente em 2024 (2.278), chegando à metade do total de 2023 (4.646). Apesar disso, o número total de encaminhamentos médicos aumentou – especialmente os urgentes –, que subiram 14%, sugerindo que uma porcentagem consideravelmente maior de pessoas resgatadas estava em estado crítico e necessitava de cuidados especializados vitais em terra.

“O Decreto Piantedosi apresenta um mecanismo estruturado e institucionalizado sem precedentes para a obstrução das atividades civis de resgate e salvamento”, afirma Juan Matias Gil, representante das operações de resgate e salvamento de MSF. “O impacto dessas sanções se agravou ao longo dos anos. A capacidade de resgate do nosso navio foi significativamente subutilizada e ativamente prejudicada.”

O relatório também traz depoimentos de pessoas que conseguiram fugir da Líbia, documentando interceptações violentas sofridas no mar e deportações à força para a Líbia, como parte de um esforço mais amplo para impedir chegadas dos migrantes à Europa. “Os depoimentos, dados e evidências que coletamos ao longo desses anos demonstram o conluio da Itália e da União Europeia (UE) com a Guarda Costeira Líbia (LCG) e outros atores armados, que realizam interceptações e empurram as pessoas de volta ao círculo de extorsão e abuso”, acrescenta Gil.

De acordo com dados médicos de MSF, em 2024, todos os pacientes (124) atendidos pelo psicólogo a bordo do Geo Barents relataram ter sofrido violência física e/ou psicológica durante a viagem migratória, sendo que metade desses pacientes identificou a detenção como o principal cenário de abuso.

O documento conclui exigindo que as autoridades italianas cessem com a estratégia de dificultar as operações de salvamento no mar e parem de impor sanções aos navios de resgate e salvamento de ONGs. O relatório apela à UE e aos seus Estados-membros que suspendam imediatamente o apoio financeiro e material à Guarda Costeira da Líbia e parem de facilitar deliberadamente o retorno forçado de pessoas à Líbia.

 

MSF atua e se engaja em atividades de resgate e salvamento no Mediterrâneo Central desde 2015. A organização trabalhou com oito navios diferentes (sozinha ou em parceria com outras ONGs) durante esse período e resgatou mais de 94 mil pessoas. MSF operou seu mais recente navio de resgate, o Geo Barents, de junho de 2021 a dezembro de 2024, resgatando 12.675 pessoas em 190 operações de resgate. Durante esse período, a equipe também recuperou os corpos de 24 pessoas (incluindo pessoas que não resistiram e morreram a bordo), providenciou a evacuação médica de 14 pessoas e auxiliou no parto de um bebê.

Em janeiro de 2023, o Decreto Piantedosi (Decreto-Lei 1/2023) introduziu um novo conjunto de regras na Itália, aplicável exclusivamente a navios de resgate civis, e um conjunto de sanções em caso de descumprimento, variando de 20 dias de detenção no porto ao confisco da embarcação.

Desde a implementação do Decreto Piantedosi, o Geo Barents enfrentou quatro sanções, somando 160 dias de detenções. Entre dezembro de 2022 e dezembro de 2024, as medidas obstrutivas também exigiram que o Geo Barents percorresse 64.966 quilômetros adicionais e asse 163 dias a mais no mar para chegar a portos distantes no norte da Itália para o desembarque dos sobreviventes, em vez de portos próximos na Sicília.

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